Para proteger seus ninhos, fêmeas de jacaré amazônico podem ficar longos perÃodos sem alimentação
Publicado em: 15 de fevereiro de 2017
Em perÃodos de vigilância dos ninhos, as fêmeas de jacaretinga resistem por longos perÃodos sem alimentação, consumindo preferencialmente presas que estão próximas ao ninho. Esse é um dos resultados apontados por pesquisadores no artigo divulgado recentemente no periódico cientÃfico internacional Herpetological Journal, da Sociedade Britânica de Herpetologia.
O estudo, realizado na Reserva Piagaçu Purus, que fica a cerca de 350 km de Manaus (AM), avaliou as diferenças entre a dieta de fêmeas desta espécie de jacaré amazônico (Caiman crocodilus) em perÃodo de incubação dos ovos e fêmeas fora desse perÃodo.
A pesquisa aponta que o momento de reprodução, associado ao comportamento de acompanhamento do ninho, influencia na composição da dieta das fêmeas, ou seja, na escolha das presas para alimentação, assim como na frequência da alimentação durante a incubação dos ovos.
"A composição da dieta destas fêmeas difere significativamente de outras fêmeas não nidificantes (que não constroem ninhos). Acreditávamos que, na época de nidificação, as fêmeas, que investem uma grande quantidade de energia na vigilância e cuidado dos ninhos, usando reservas internas de energia. O que pode acontecer com outras espécies também", comentou Robinson Botero-Arias, pesquisador do Instituto Mamirauá – unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
O conteúdo estomacal de 33 fêmeas encontradas vigiando os ninhos e de 16 fêmeas capturadas em locais sem ninhos foram coletados em expedição de campo na Amazônia. Os animais foram pesados, medidos e marcados pelos pesquisadores, e o conteúdo estomacal foi obtido após lavagem estomacal, para análise posterior em laboratório. Após o procedimento, as fêmeas de jacaré foram soltas no mesmo ambiente em que foram capturadas.
Na análise do material foram identificadas 206 presas, sendo a maioria delas de invertebrados terrestres, representando 70% do total, 15% foram peixes, 8% moluscos, 5% invertebrados aquáticos e 2% de outros vertebrados.
"As fêmeas no ninho se alimentaram com as presas disponÃveis próximo a seu entorno. E esta disponibilidade é diferente para as fêmeas não nidificantes, as que talvez tenham mais opções de presas. Por isso, 70% da composição da dieta das fêmeas nidificantes é de invertebrados", explicou o pesquisador. Entre os invertebrados terrestres, estão besouros, gafanhotos e cigarras. A principal diferença apontada no estudo foi nas presas aquáticas, como peixes, moluscos e besouros aquáticos, mais presentes em fêmeas sem ninhos.
Jacarés amazônicos - Robinson destaca que ainda são escassos os estudos sobre dieta e hábitos alimentares de fêmeas de jacarés amazônicos, especialmente em perÃodo reprodutivo. De acordo com o pesquisador, o cuidado parental de ninhos e filhotes é um comportamento caracterÃstico entre os crocodilianos, como uma estratégia das fêmeas para garantir a sobrevivência dos filhotes. Esses animais se adaptam bem às condições ambientais e possuem hábito alimentar oportunista.
"Fisiologicamente, eles podem se adaptar a momentos de baixas disponibilidades de alimento, associado à capacidade de armazenarem energia em forma de gordura, quando o alimento está disponÃvel. Por este motivo, de um ponto de vista da saúde, os animais, em especial as fêmeas nidificantes, podem enfrentar perÃodos longos sem se alimentar, mas sem afetar suas condições fÃsicas e seu bem-estar", explicou Robinson.
O perÃodo reprodutivo desses animais é influenciado pelo ciclo dos rios, a construção dos ninhos ocorre durante a vazante, que geralmente inicia em setembro, como explica o pesquisador. Para a espécie contemplada na pesquisa, a Jacaretinga, o perÃodo de incubação dos filhotes dura entre 60 e 70 dias, e a mãe acompanha e protege seus filhotes por mais de um ano.
Conservação - Robinson destaca que a pesquisa contribui para o conhecimento sobre a biologia e ecologia da espécie e pode ajudar no desenvolvimento de estratégias de conservação para o animal ou a área que habita. "Esta informação, por exemplo, reforça a vulnerabilidade das fêmeas num momento importante dentro do processo de dinâmica populacional. Por isso, é importante, quando pensamos em áreas protegidas (unidades de conservação) como as Reservas Mamirauá ou Piagaçu Purus, ter estas informações para o estabelecimento de áreas de preservação, por exemplo", completou o pesquisador.
Além de Robinson Botero-Arias, também assinam o artigo os pesquisadores José Antônio Lemos, da Universidade de Aveiro (Portugal), Boris Marioni e Diogo Dutra-Araújo, do Instituto Piagaçu, Antonio Nogueirado Centro de Estudos do Ambiente e do Ar (Portugal), William Magnusson, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e Ronis da Silveira, da Universidade Federal do Amazonas.
Texto: Amanda Lelis
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