Análise de vestÃgios arqueológicos demonstram como viviam antigas populações indÃgenas de área protegida do Amazonas
Publicado em: 26 de Janeiro de 2017
Aproximadamente entre os anos 500 e 1.000 depois de Cristo, a região do lago Amanã era amplamente ocupada por populações indÃgenas. Essas populações eram sedentárias, organizavam-se em aldeias possivelmente circulares, dedicavam grande tratamento ritual aos mortos, os sepultando em urnas cerâmicas e eram, provavelmente, falantes de lÃnguas do tronco Arawak. Essas são algumas das conclusões da análise de vestÃgios dos sÃtios arqueológicos localizados na Reserva Amanã, no Amazonas, durante pesquisa realizada em parceria com o Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
De acordo com os arqueólogos, a história cultural do lago Amanã está diretamente relacionada à dinâmica de ocupação da calha principal do rio Amazonas e corrobora as teorias de ocupação humana na Amazônia, antes da chegada dos colonizadores. A pesquisadora associada do Instituto Mamirauá, Jaqueline Gomes, destaca que as pesquisas arqueológicas vêm contribuindo para evidenciar como as populações indÃgenas do passado modificaram o ambiente em que viviam de forma sustentável.
"Pareciam fazer isso de forma a não agredir ou destruir a natureza. A Reserva Amanã possui cenários paisagÃsticos lindos e uma grande biodiversidade. Contudo, é interessante pensar que essa paisagem, que pode ser aclamada como uma natureza intocada, é na verdade resultado de uma longa história de ocupação humana, iniciada há pelo menos 3 mil anos atrás, e que possui marcas culturais especÃficas", disse.
Por meio de escavações, datações e tratamento do material cerâmico, foi possÃvel refinar as informações sobre o perÃodo de ocupação dessa tradição cultural, chamada pelos pesquisadores de Fase Caiambé. O trabalho é uma continuidade de pesquisas arqueológicas que tiveram início na região em 2001.
Os pesquisadores já tinham uma ideia da cronologia da ocupação da área e da presença de ao menos quatro diferentes tradições culturais, ou fases. Jaqueline explica que a proposta da pesquisa foi compreender as relações entre esses diferentes perÃodos de ocupação e aprofundar o conhecimento sobre a fase Caiambé, que foi encontrada em todos os sÃtios nas margens do lago Amanã. "Para nossa surpresa, quando datamos amostras, de cerâmicas e carvões, dos contextos de diferentes sÃtios arqueológicos, obtivemos datas contemporâneas, confirmando nossas expectativas de que, no perÃodo de ocupação relacionado à fase Caiambé, o lago tenha sido bastante ocupado", disse.
No estudo, foi verificada a formação de espaços públicos e rituais, como os cemitérios, e a forma das aldeias desse perÃodo que tendem a ser circulares, formadas por amplas áreas de terra-preta-de-Ãndio. Essas caracterÃsticas de ocupação da área podem serrelacionadas a povos falantes da lÃngua Arawak.
"Os castanhais, os sÃtios com terra preta, os campos de urnas podem ser associados de alguma maneira a história de ocupação de povos ligados a este grande tronco linguÃstico. Ainda que não seja possÃvel falar em grupos étnicos especÃficos, a intenção foi contribuir para a construção de uma história cultural do lago, que está relacionada a toda uma dinâmica de ocupação da calha principal do rio Amazonas", comentou Jaqueline.
Intercâmbios na Amazônia antiga
Outra conclusão importante do estudo foi de que as populações produziam suas cerâmicas com caracterÃsticas de duas diferentes tradições culturais, as tradições Polícroma e Borda Incisa, indicando relações amistosas entre diferentes grupos, que poderia envolver comércio, casamentos ou trocas entre os grupos. Isso, em função das caracterÃsticas dos sÃtios arqueológicos, por exemplo, a ausência de valas defensivas ou outros indÃcios de conflitos. Essa caracterÃstica é contrária à encontrada em pesquisas arqueológicas de outras regiões da Amazônia, como a confluência dos rios Negro e Solimões e região do baixo Rio Madeira.
Urnas e sepultamentos
Durante a pesquisa foram estudadas cinco urnas cerâmicas coletadas na região. Em três delas haviam vestÃgios de sepultamento humano. O interessante, de acordo com a arqueóloga, é que as evidências indicam o sepultamento direto, quando o indivÃduo era sepultado ainda articulado dentro da urna, ao contrário do habitual, que era guardar apenas os ossos e restos mortais. Enterrados junto a todas as urnas haviam materiais como pratos e vasos decorados. "Isso confere um caráter ritual às peças. Uma urna em especial, na qual foi encontrado vestÃgios de uma provável criança, havia uma estatueta chocalho acompanhando", contou a pesquisadora.
Nas urnas também foi observada a presença de indivÃduos de idades diferentes e indÃcios de um sepultamento de uma criança, como citado pela pesquisadora. "Esse tipo de enterramento demanda muito tempo e trabalho do grupo social. Portanto, nos leva a crer que naquela sociedade haveria uma hierarquia social, na qual o status não seria necessariamente adquirido em vida, mas herdado, passado de pai para filho (e esse tipo de relação hierárquica é comum nos povos arawak), comentou.
Foram seis sÃtios arqueológicos estudados, sendo quatro deles inéditos. Por estarem localizados em uma unidade de conservação, estão protegidos de grandes impactos, como a construção de um empreendimento. Esse contexto contribui para que as pesquisas possam ser realizadas em longo prazo. Jaqueline explica que esse tipo de estudo pode contribuir para as estratégias de gestão da unidade de conservação, e garantir ações de extensão aos moradores, como por exemplo auxiliando às artesãs atuais, "os elementos tecnológicos da produção cerâmica pré-colonial podem ajudar às artesãs das comunidades a encontrar alternativas para a obtenção de matéria-prima".
Texto: Amanda Lelis
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