Parteiras Tradicionais do Amazonas participam de encontro com Janja Lula da Silva para construir a “Carta das Mulheres” à COP30
Publicado em: 27 de agosto de 2025
Encontro com a primeira-dama destacou os desafios enfrentados pelas parteiras tradicionais do Amazonas e debateu protocolos de emergência climática e projetos de saúde da mulher para a COP30
Na última quarta-feira (20/08), a Fiocruz Amazônia recebeu a primeira-dama Rosângela Lula da Silva (Janja) para debater a agenda das mulheres para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) e construir, em conjunto com lideranças femininas e projetos desenvolvidos pela instituição, a Carta das Mulheres, que será apresentada em novembro, em Belém (PA). Entre as organizações presentes esteve a Associação de Parteiras Tradicionais do Amazonas Algodão Roxo, apoiada pelo Instituto Mamirauá, que levou ao encontro as questões e problemáticas particulares da atuação das parteiras tradicionais no estado.
Além do debate sobre as parteiras, a agenda incluiu a apresentação de outros projetos da Fiocruz Amazônia voltados à saúde da mulher e à igualdade de gênero. Janja conheceu iniciativas de qualificação profissional do SUS em saúde sexual e reprodutiva, de fortalecimento da atuação comunitária de mulheres migrantes e o projeto Vigifeminicídio, que monitora e dá visibilidade à violência letal contra mulheres da região.
Propostas e participação das parteiras
A convite da Fiocruz, Maria das Dores Marinho Gomes, analista em Saúde Comunitária do Programa de Qualidade de Vida do Instituto Mamirauá, e Ranega Rafaela Rodrigues Marques, pesquisadora do mesmo programa, representaram a Associação no encontro promovido com Janja. Ambas, além de suas funções institucionais, são parteiras tradicionais na região do Médio Solimões, trazendo sua experiência direta para contribuir na garantia de melhor qualidade de vida e acesso a recursos para outras parteiras do Amazonas.
Essa reunião teve como objetivo levantar pautas a serem tratadas pela Carta das Mulheres, na COP30, buscando estabelecer um protocolo para atender mulheres em emergências climáticas, prevenindo a violência de gênero, garantindo apoio socioeconômico e criando espaços seguros para as mulheres.
Durante o encontro, foi destacada a importância das parteiras tradicionais como resposta concreta em situações de crise ambiental. A experiência da pandemia e das duas grandes secas que aconteceram no estado do Amazonas nos últimos anos, impactando diretamente a vida das pessoas que vivem em comunidades, distante dos centros urbanos, evidenciaram que, mesmo em contextos de isolamento e das limitações de acesso aos serviços de saúde, as parteiras tradicionais continuaram atuando nas comunidades, garantindo a segurança das mulheres e evitando mortes de crianças. No entanto, nesse contexto, o trabalho das parteiras vai muito além do parto: elas são também pescadoras, agricultoras e lideranças locais presentes em territórios indígenas, quilombolas e ribeirinhos, desempenhando um papel estratégico no fortalecimento das comunidades. Muitas vezes, duas ou três parteiras são responsáveis por atender uma comunidade inteira, apoiando mulheres, garantindo qualidade de vida e oferecendo uma resposta diante das incertezas climáticas que afetam a região. Para Ranega: “O fortalecimento das parteiras tradicionais do Estado do Amazonas precisa ser dentro de suas localidades, onde existe uma necessidade maior de atenção ao parto, porque são nesses lugares que atuam essas mulheres. É fato que elas estão protegendo a floresta e as águas, ajudando os povos que ali vivem a ter continuidade com seus conhecimentos milenares, usando os recursos que vem da natureza e espiritualidade. Então, precisamos ter em nossa mente e em nossas ações a necessidade de fortalecer essa cultura e defender quem faz saúde através da ancestralidade. Suas práticas são alternativas para que, em meio às crises climáticas e sanitárias, mortes de mulheres e crianças sejam evitadas.”
Outra pauta levantada para a discussão no encontro foi a proposta de criação da Bolsa Parteira, apresentada como alternativa ao piso salarial estipulado pelo governo. Isso porque a política atual não contempla a categoria das parteiras tradicionais, já que exige formação de nível técnico, excluindo, assim, um grupo de mulheres que há gerações exerce papel central no cuidado à saúde materno-infantil dentro das comunidades. Maria das Dores destacou que a ausência de remuneração é hoje um dos maiores desafios para a continuidade desse conhecimento ancestral. Segundo ela, assim como obstetras em maternidades recebem salário, também é justo que as parteiras, jovens ou mais experientes, sejam remuneradas pelo trabalho que realizam, garantindo dignidade e incentivo à transmissão dos saberes. “Elas resistem há gerações sem nenhum apoio formal, apenas com o dom de partejar e cuidar da vida. Esse reconhecimento é fundamental”, afirmou. A proposta busca, portanto, valorizar essas mulheres como profissionais essenciais, assegurar condições mínimas para o exercício de suas funções e, ao mesmo tempo, fortalecer a permanência e a transmissão de práticas tradicionais que salvam vidas e sustentam a organização comunitária.
Durante a entrevista, a palavra “resistência” apareceu como síntese do trabalho das parteiras tradicionais. Ranega destaca como o conhecimento empírico, transmitido entre gerações de mulheres, foi frequentemente rejeitado pela medicina convencional. Mesmo diante da ausência de políticas públicas e da dificuldade de acesso a hospitais e serviços de saúde, as parteiras continuaram atuando, garantindo saúde e vida em seus territórios. “É um trabalho de resistência de mulheres, que veio passando de avó para mãe, filha e neta, pela lógica: eu tô aqui, não tá chegando saúde, não tem hospital, então eu mesma faço. Antes mesmo que elas saibam o que é o direito de Políticas Públicas, já estão gerando isso lá dentro”, afirmou.
Para Ranega e Maria das Dores, a responsabilidade de falar por todas as parteiras tradicionais do estado é muito grande, mas elas se sentem gratificadas por terem esse espaço que possibilita a discussão desse trabalho em uma instância internacional, no contexto da COP30. “Uma parteira lá nos igarapés talvez nunca tenha oportunidade de ir à COP30. Mas nós, que estamos à frente, levamos a voz delas. Esse é um trabalho de resistência: resistir ao tempo, ao desprezo e à falta de políticas, mantendo viva uma tradição que garante a continuidade da vida na floresta”, concluiu Maria das Dores.
O papel da Associação Algodão Roxo
A Associação de Parteiras Tradicionais do Estado do Amazonas Algodão Roxo foi criada em 2018, durante uma assembleia realizada na sede da Fiocruz Amazônia, em Manaus. O nome e o símbolo escolhidos remetem ao algodão-roxo, planta medicinal tradicionalmente utilizada pelas parteiras na prevenção de hemorragias e infecções, reforçando a ligação entre natureza, saúde e saberes ancestrais.
A fundação da associação foi o resultado de um longo processo de fortalecimento e mobilização. O primeiro passo para a criação da entidade ocorreu durante o 13º Congresso Internacional da Rede Unida, quando parteiras de diferentes regiões do estado se articularam para construir uma representação civil organizada. Poucos meses depois, foi oficializada a Associação Algodão Roxo, a primeira da categoria no Amazonas.
Com o apoio da Fiocruz, do Instituto Mamirauá e do Ministério da Saúde, a associação passou a reunir parteiras de comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas de diversas regiões do estado, garantindo visibilidade, articulação política e fortalecimento da luta histórica pelo reconhecimento institucional. Assim, a criação da associação marcou não apenas a união dessas mulheres, mas também um marco simbólico de resistência e valorização de práticas tradicionais que há séculos garantem a vida nos territórios amazônicos.
Desde os anos 2000, a Associação Algodão Roxo, com apoio do Instituto Mamirauá, promove capacitações com parteiras de municípios do Médio Solimões, como Tefé, Alvarães, Maraã e Uarini, criando espaços de troca entre o conhecimento popular e práticas da saúde formal. Essas formações ajudam a consolidar a importância das parteiras como agentes comunitárias de saúde e estimulam sua organização coletiva.
“É um coletivo de uma importância regional clara, mas que precisa ganhar o reconhecimento nacional devido. Pela atuação singular destas mulheres, guardiãs de conhecimentos ancestrais. A conservação da Amazônia, de todo o seu legado e respostas robustas aos efeitos das mudanças climáticas no território dependem diretamente das comunidades tradicionais”, conclui Dávila Corrêa, Diretora de Manejo e Desenvolvimento do Instituto Mamirauá.
Texto: Julia A. Rantigueri
Foto: Michell Mello
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