Onças nas árvores – oportunidades para pesquisa, turismo e engajamento comunitário
Publicado em: 26 de agosto de 2022
Miguel Monteiro
A chuva leve respingava nas folhas da floresta densa, reluzindo a luz do sol que penetrava entre as nuvens. Um bando de macacos-prego e macacos-de-cheiro passava ruidosamente sobre nossas cabeças enquanto atravessávamos a floresta alagada em canoas. Nosso grupo andava em silêncio absoluto, exceto pelo beep, beep ocasional do equipamento que portávamos. Trata-se de uma antena ligada a um receptor que usamos para captar o sinal de rádio emitido pelo colar da onça-preta que estamos monitorando e, assim, chegar até o animal, possibilitando o seu avistamento. Aproximando-se de uma enorme e frondosa figueira, o sinal começou a ficar mais forte. Todos nós tivemos a mesma sensação – ela deve estar aqui. Uma rápida volta em torno da árvore revelou sua posição, deitada nos galhos mais altos a aproximadamente 20 metros de altura. A figura preta se destacava no tronco de coloração cinza clara, as patas pendendo para os lados imóveis, indicando uma posição de repouso do animal. De todo jeito, a onça-preta estava ciente de nossa presença, seus olhos cor de âmbar atentos aos nossos movimentos. Após coletar informações sobre localização, comportamento e características do ambiente, além de alguns registros fotográficos da onça, nos retiramos cuidadosamente do local e a deixamos descansar em paz.
O monitoramento da onça descrito acima já é a segunda fase de uma das linhas de pesquisa desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa em Ecologia e Conservação de Felinos na Amazônia (GP Felinos) do Instituto Mamirauá. Primeiro, no início do ano, geralmente por volta dos meses de janeiro a março, ocorre a captura de onças-pintadas. Nesta época, o nível da água na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá está subindo e, como na reserva toda a área é alagada por tratar-se de florestas de várzea, durante a enchente restam cada vez menos áreas com terra. As onças-pintadas buscam estas áreas que ainda têm terra e, por serem mais restritas, nosso grupo de pesquisa aproveita para colocar as armadilhas de captura nestas áreas para maximizar as chances de capturar um animal. Neste ano a captura aconteceu no dia 24 de março. A onça-preta capturada foi carinhosamente nomeada Raí em homenagem a um assistente de campo que trabalhou com nosso grupo e faleceu recentemente. Durante a captura, o animal foi sedado pela veterinária e, em seguida, pesado, chegando a 61 kg. Depois nós colocamos um colar em seu pescoço que nos envia a localização do animal a cada hora e também emite um sinal de rádio VHF que permite localizá-lo em campo. Nós também medimos o animal e coletamos amostras de sangue durante o procedimento.
A captura nos permite estudar vários aspectos da vida das onças-pintadas. As amostras de sangue serão utilizadas para estudos genéticos e de epidemiologia, analisando o estado de saúde do animal e quais doenças são detectadas em seu organismo. Além disso, os dados de movimento da onça adquiridos através do GPS em seu colar permitirão estudar qual a sua área de vida, por quais habitats ela prefere se locomover, como ela se comporta em épocas de cheia e seca e uma infinidade de outras informações sobre a ecologia e o comportamento da espécie. Após aproximadamente um ano coletando essas informações, a bateria do colar se esgota e ele automaticamente se desprende do pescoço do animal.
Uma vez que uma onça está com o colar, é possível também tentar aproximar-se dela em vida livre para observá-la em seu ambiente natural. Isso é o que chamamos de monitoramento. Para isso, esperamos até o mês de junho quando o nível da água está no máximo e a reserva está alagada, pois assim as onças passam a maior parte do tempo sobre as árvores e é mais fácil avistá-las (leia mais sobre este comportamento único neste estudo publicado pelo GP Felinos). No monitoramento, cada dia nós olhamos qual foi o último ponto do GPS que recebemos com a localização mais atual da onça e chegamos o mais próximo possível de barco. Depois, trocamos e passamos a andar em canoas para poder adentrar a floresta. A uma certa distância do animal, é possível captar o sinal de rádio emitido pelo colar, que indica a direção e a distância que o animal está. Fazendo o mínimo de barulho possível, conseguimos chegar próximo de onde a onça está e, quando o sinal de rádio está muito forte, procuramos nas árvores para localizar o animal. Nem sempre é fácil, dada a natureza furtiva e camuflada das onças, mas com paciência e olhos bem treinados é possível ter bastante sucesso nestes avistamentos. Uma vez localizado o animal, pode-se observar seu comportamento e coletar informações sobre o ambiente em que ele se encontra. Em anos anteriores, durante o monitoramento foi possível observar casais de onças-pintadas cortejando, fêmeas com filhotes sobre as árvores e até uma onça predando um macaco!
Aproveitando a oportunidade de avistar as onças monitoradas pelo projeto, desde 2014 ocorre o Jaguar Expedition em parceria com a Pousada Uacari, uma iniciativa de turismo de base comunitária localizada na Reserva Mamirauá. Neste pacote de turismo, um pequeno grupo de turistas acompanha pesquisadores do GP Felinos para monitorar as onças que estiverem com o colar. É uma oportunidade única para observar onças na Amazônia, que de outra maneira são muito difíceis de serem vistas, além de possibilitar o avistamento de onças-pretas, ainda mais raras! Uma parte do dinheiro gerado por essa atividade ajuda a financiar os projetos de pesquisa do GP Felinos, enquanto outra parte é repassada diretamente para as comunidades ribeirinhas envolvidas nas atividades de turismo para ser usada em projetos que beneficiem a comunidade como um todo, como a construção de uma escola ou a compra de um barco para transporte. Assim, como essas comunidades são beneficiadas pelo turismo de avistamento de onças, isso pode ter um impacto sobre a relação entre moradores locais e a espécie. Resultados preliminares de uma pesquisa realizada pelo GP Felinos indicam que moradores da região onde ocorre o turismo são mais tolerantes à presença de onças-pintadas e têm atitudes mais positivas em relação à espécie. Em suma, melhorando a relação entre comunidades locais e onças-pintadas, o turismo de avistamento de onças não só financia novas pesquisas e contribui para uma melhora na qualidade de vida de comunidades tradicionais, como também contribui para a conservação da onça-pintada na Amazônia.
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