Pesquisador encontra dez novos sí­tios arqueológicos no interior da Amazônia

Publicado em: 24 de Janeiro de 2019

Restos de cerâmica com pinturas e incisões, carvões e a presença de terra preta arqueológica ajudam a contar a história de como viviam e se comportavam os antigos habitantes da Amazônia. No início de janeiro, o Instituto Mamirauá mapeou dez novos sí­tios arqueológicos no interior do estado do Amazonas. Os vestí­gios coletados estão associados a populações produtoras de cerâmicas que ocuparam a região cerca de 3 mil anos atrás.

O levantamento foi conduzido dentro e ao redor da Estação Ecológica (Esec) Jutaí-Solimões e da Reserva Extrativista (Resex) Rio Jutaí, unidades de conservação ambiental que juntas somam mais de 500 mil hectares. O trabalho cientí­fico é parte de uma colaboração do instituto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão dessas áreas protegidas.

"Os estudos arqueológicos são complementares aos levantamentos de fauna e flora nas unidades de conservação e contribuem com dados para conhecer o passado da região e pensar em formas de proteger o território", afirma Márcio Amaral, arqueólogo do Instituto Mamirauá que identificou os novos sí­tios.

Antepassados ajudaram a formar a paisagem da Amazônia

Durante doze dias, o pesquisador percorreu comunidades e trechos de floresta nas calhas dos rios Jutaí e Solimões à procura de traços da influência dos antepassados na paisagem. E os sinais estão por toda parte: das manchas do solo arqueológico escuro e cheio de nutrientes, conhecido popularmente como terra preta de índio, até à copa das palmeiras de açaí, pupunha e outros frutos que foram selecionados por nossos ancestrais amazônicos para alimentação e são apreciados até hoje.

"Existe uma associação muito próxima entre terra preta, sí­tios arqueológicos e plantas úteis aos seres humanos, como a bacaba, o açaí a pupunha e o ingá. Por vezes, os arqueólogos não conseguem achar a terra preta, nem fragmentos cerâmicos, mas conseguem ver a vegetação diferente. A antropização da área indica que ali provavelmente existe um sí­tio arqueológico", explica Márcio.

A posição de alguns dos sí­tios arqueológicos encontrados coincide com o endereço de comunidades da região. "Os sí­tios compartilham o mesmo espaço de áreas antrópicas, com terra preta e fértil. A população atual também está morando em cima desses sí­tios, o mesmo espaço que já foi ocupado há 3 mil, 4 mil anos. É um padrão que se repete e é notado em pesquisas arqueológicas em toda a Amazônia".

Na busca pelos sí­tios, as instruções dos atuais moradores da floresta também são essenciais. "Precisamos muito das informações das pessoas locais", conta Márcio. "Elas são nossas fontes primárias, porque conhecem essas áreas como ninguém, manejam e plantam no solo e tem o conhecimento de onde estão os vestí­gios dessas aldeias antigas".

Artefatos cerâmicos são de tradições milenares

A coleta nos recém-descobertos sí­tios arqueológicos revelou fragmentos de dois conjuntos cerâmicos da história pré-colonial da Amazônia: a tradição Pocó e a tradição Polícroma da Amazônia.

O conjunto Pocó foi produzido por povos cujos registros mais antigos de ocupação no território amazônico datam do primeiro milênio antes da era cristã e foram catalogados primeiramente nos rios Nhamundá e Trombetas, região do baixo Amazonas. Entre as características mais marcantes das cerâmicas Pocó está o uso diverso de cores, com destaque para o amarelo, laranja e vermelho sobre um fundo branco, e a recorrência de figuras geométricas incisas como retângulos, quadrados, círculos, faixas e linhas.

"Esse tipo de incisão geométrica é encontrado em sí­tios arqueológicos como o da Boa Esperança (na Reserva Amanã, centro do Amazonas), dentro do rio Juruá e em Santarém, no Pará. Os registros chegam também até às regiões rio Xingu e ao Rio Tocantins. O que nos dá a dimensão que alcançou a tradição cerâmica Pocó há 3 mil anos dentro dessa ampla região", destaca o arqueólogo.

"Através dessas peças, é possí­vel observar a dinâmica dessas populações, que não estavam estáticas, não necessariamente na questão de mobilidade total, mas de pessoas que tinham funções especí­ficas para fazer essas pontes entre áreas distintas", continua o pesquisador do Instituto Mamirauá. "O alcance das cerâmicas Pocó parece estar associado a fatores que incluem agricultura, sedentarismo, aumento populacional e a comunicação entre regiões por meio das antigas e complexas redes de interações sociais de curta, média e longa distância".

O Instituto Mamirauá é uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e realiza há mais de uma década estudos arqueológicos na Amazônia Central, ajudando a expandir as fronteiras do que se conhece a respeito do passado da região.

"O trabalho desenvolvido pelo Instituto Mamirauá é importante para que possamos compreender essas dinâmicas antigas na Amazônia, que antes se pensava que eram muito simples e efêmeras, mas o que os resultados recentes mostram é que muitos aspectos culturais tiveram grande continuidade e dispersão dentro das terras baixas amazônicas", afirma Márcio Amaral.

Texto: João Cunha

Bernardo Oliveira

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