Neste último sábado (06), a praça Maria da Encarnação em Castanhal (PA) recebeu a Feira do Caranguejo, realizada pelo Projeto Entre Águas Amazônicas, por meio do Instituto Mamirauá e com parceria da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (SEDAP-PA), Prefeitura Municipal de Castanhal, Rede Mães do Mangue, Rede Cuíra, Rare, Associação Mestre Lucindo (Auremluc), Associação dos Usuários da RESEX de São João da Ponta e ICMBio.
Aberta ao público e com atração cultural embalada pelos curimbós do grupo Carimbó Modelo, a feira ofereceu ao consumidor a oportunidade de adquirir caranguejo-uçá de forma sustentável, diretamente das mãos de quem vive e trabalha nos manguezais paraenses.

Com uma edição prévia realizada em Soure (PA), a Feira do Caranguejo objetiva também reduzir os impactos ambientais e combater o extrativismo e transporte ilegal do caranguejo nas Reservas Extrativistas(Resex), que prejudicam os associados que atuam de forma legal e sustentável. Além disso, a iniciativa busca sensibilizar todos os trabalhadores e trabalhadoras da cadeia produtiva para a adoção de novas práticas de armazenamento e comercialização da espécie.
“Viemos pela primeira vez realizar essa feira aqui em Castanhal. Trouxe 335 caranguejos na basqueta para venda, com apenas 7 mortalidades e renda de R$1.100,00 reais, valor esse agregado em relação à venda para atravessadores. Consegui vender tudo, para a gente é uma satisfação, pois temos um lucro maior e a atividade é melhor”, pontua Manoel da Costa, caranguejeiro da comunidade São Francisco de São João da Ponta (PA) e associado da Mocajuim.
Além do crustáceo, o público teve a oportunidade de adquirir peixes frescos da piscicultura e também pôde conferir uma variedade de produtos das Reservas Extrativistas, incluindo artesanato regional, massas de mexilhão e caranguejo, produtos da agricultura familiar e gastronomia preparada por mulheres das comunidades.
A juventude esteve presente, representada pela Rede Cuíra, que é composta por 13 grupos jovens presentes em 12 Reservas Extrativistas (Resex) e 1 Área de Proteção Ambiental (APA) no Pará. A Rede é formada por aproximadamente 60 jovens, majoritariamente negros e afroindígenas, que atuam na defesa dos manguezais e na promoção da sustentabilidade, e capacitam e articulam jovens líderes para promover iniciativas de reconhecimento e valorização de práticas tradicionais e sustentáveis nos manguezais amazônicos.
Com 100% da massa de caranguejo e massa de mexilhão vendidos, a feira foi importante, não só para ampliar a renda, mas também para realçar o valor das comunidades. “A gente sabe que é mais difícil para as populações extrativistas terem essa visibilidade, então a gente como juventude, que tem mais facilidade ao acesso das redes sociais, tá demonstrando para as pessoas a importância dessas feiras, de participar dessas feiras, além de todo o trabalho com cuidado com o meio ambiente”, ressalta Gê Monteiro, uma das coordenadoras da Rede Cuíra e associada da Auremluc.

A presença de mulheres trabalhadoras, extrativistas e representantes de comunidades também foi marcada durante a feira: a Rede Mães do Mangue, que reúne mais de 800 mulheres e mais de 40 grupos nas comunidades, é comprometida não só com a proteção do mangue, mas também com a extração sustentável dos crustáceos. “Estando aqui hoje, esse espaço vem para fortalecer e para mostrar que a mulher é um ser que deve estar em todos os lugares, em todo momento, inclusive no mangue. Essa representatividade é muito importante para nos posicionarmos”, conta Gláucia de Nazaré, coordenadora da Rede e também representando o grupo Luaras, de mulheres extrativistas.
A feira integra o projeto Entre Águas Amazônicas, executado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com a cooperação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Instituto Mamirauá . O financiamento provém do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). A ação é correalizada pelo Governo do Pará, através da Sedap, e pela Prefeitura Municipal de Castanhal, e ocorre em parceria com a Rede Mães do Mangue, Rede Cuíra, Rare, Associação Mestre Lucindo (Auremluc), Associação dos Usuários da RESEX de São João da Ponta e ICMBio.
Treinamento para práticas sustentáveis
A realização da feira acontece logo após os cursos de utilização sustentável de basquetas, promovidos pelo projeto nas Reservas Extrativistas. Nessas capacitações, caranguejeiros e caranguejeiras compartilham conhecimentos e recebem treinamento sobre o uso de basquetas, que são caixas plásticas que acomodam os caranguejos em camadas de espuma umedecida, prática de armazenar o caranguejo, que reduz a mortalidade no transporte, ampliando a renda e contribuindo para a conservação da espécie. Cada participante recebe uma basqueta para usar pela primeira vez na própria feira, fechando um ciclo que une capacitação prática, conservação da espécie e fortalecimento econômico. Os cursos também abrem espaço para a discussão sobre precificação justa, ajudando a romper com a dependência histórica de intermediários que pagam valores mais baixos pela produção.
A basqueta é uma espécie de caixa de plástico virgem, semelhante às utilizadas para frutas e verduras por feirantes, mas de um material específico e próprio para a atividade com caranguejos. “Por meio da basqueta, conseguimos contribuir com uma forma de reduzir a mortalidade dos caranguejos durante o transporte, gerar mais renda, com menor perda de produção, desenvolvendo assim a sociobioeconomia local e apoiando na conservação da espécie nos manguezais”, ressalta Tabatha Benitz, coordenadora do Núcleo de Inovação e Tecnologias Sustentáveis do Instituto Mamirauá.
Somados, os cursos contam com 50 participantes, envolvendo homens e mulheres de diferentes comunidades.
Com foco no uso sustentável do recurso natural, na autonomia dos extrativistas e na valorização das identidades tradicionais, a iniciativa reforça a importância das comunidades no cuidado com os manguezais e mostra como ações colaborativas podem transformar a realidade socioambiental da Amazônia, beneficiando tanto quem produz quanto quem consome.
Projeto Entre Águas Amazônicas
O Entre Águas Amazônicas foi lançado em abril de 2025 e tem como meta promover o manejo participativo e sustentável dos recursos naturais em cerca de 4,8 milhões de hectares distribuídos entre áreas do Pará, Amazonas e Amapá — incluindo unidades de conservação, terras indígenas e áreas produtivas. A iniciativa foca no fortalecimento de cadeias produtivas e na elaboração de protocolos de manejo do pirarucu, jacaré, caranguejo, produtos florestais madeireiros e não madeireiros, agroecologia e turismo de base comunitária. Através de treinamentos de melhores práticas e a valorização de saberes tradicionais das comunidades ribeirinhas, implementação de planos de manejo, monitoramento da biodiversidade e governança participativa, o projeto busca melhorar a segurança alimentar, gerar renda para populações tradicionais e conservar ecossistemas da Amazônia.