Um caboclo no manejo florestal

Publicado em: 12 de novembro de 2015

Quem vê o rapaz calmo e tímido, que é Márcio, não imagina quanta história o jovem tem pra contar. Nascido e criado em Tefé, no Amazonas, Márcio Abreu decidiu abandonar o curso de licenciatura em Biologia e partir para Itacoatiara, para cursar Engenharia Florestal na Universidade do Estado do Amazonas (UEA). O jovem conta que, ao concluir a graduação, ansiava trabalhar com manejo florestal, de volta ao seu município de origem, atuando em conjunto com a população da região, em busca de soluções para as demandas locais. O Engenheiro Florestal, de 32 anos, que atua há cinco no Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, concedeu entrevista contando sobre a experiência com o trabalho junto aos manejadores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

IM: Márcio, como surgiu a vontade de trabalhar com manejo florestal?

Márcio: Sempre teve o consumo de madeira aqui da Reserva, muitas vezes em grande escala. Já que, antes de iniciar os trabalhos de manejo florestal, não tinha limite para exploração. O foco de maior exploração foi nos anos de 1980 e 1990. Só em 1998 saíram as primeiras normas para o manejo florestal na Amazônia. E a normativa para o manejo em várzea foi publicada só em 2010.

Então, cresci assistindo isso. Meu pai sempre trabalhou com transporte fluvial, e nessa época, nos anos 80 e 90, ele transportava bastante madeira que vinha dos rios Juruá e alto Solimões, levando até as grandes indústrias no Pará. Acho que o fato de  ver aquelas jangadas enormes de madeira sendo transportadas me levou a ir para este caminho de trabalhar com a floresta! Além de outras influências e principalmente a minha identificação com a área.

IM: E desse período para hoje, o que você percebe de diferença para a região e para a atividade?

Márcio:  Naquela época, o comércio estava enfraquecido. Tefé não tinha comprador de madeira legal. Mas aí, o tempo foi passando e eles foram se regularizando. Também, nesse tempo, o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) não liberava madeira desdobrada, como prancha, tábua, outras peças. Hoje já  é liberada essa venda. Já teve essa abertura de mercado. O Ipaam também começou a parte de legalização das movelarias, eles viram que os moradores da cidade são compradores também.  Então, os municípios têm a necessidade de movimentar a madeira legalizada e passaram a se regularizar também.

IM: Como é o trabalho do Programa de Manejo Florestal, junto às associações comunitárias, para a realização da atividade?

Márcio:  A gente procura trabalhar sempre seguindo os três eixos da sustentabilidade: a parte econômica, que é o retorno que a comunidade tem e que ajuda a melhorar a qualidade de vida dessa população; a parte social, que é a organização deles para que o manejo florestal possa acontecer; e também a parte ecológica, que é trabalhar para que essa floresta dure por muito tempo. Que essa floresta traga retorno para a comunidade por várias gerações.

E, hoje, a comunidade já tem essa visão de garantir um futuro para atividade, não só pelo retorno econômico, mas pensando num futuro para a família e para a conservação da floresta. Fazendo uma parceria com um município, como Uarini por exemplo, estamos ajudando para que a área de floresta da cidade sofra menor impacto também, pois estamos colocando madeira local para circular nesse município. A ideia é expandir isso. Quanto mais madeira legal no mercado, menos a floresta será impactada com a retirada descontrolada de madeira. Tudo tem uma consequência, é o resultado do trabalho que começa lá na comunidade até chegar ao consumidor final.

IM: Para o consumidor, que compra um produto de madeira na cidade, como ele sabe se essa madeira é legalizada?

Márcio:  O Ipaam também emite uma licença de operação para a movelaria. Se você quer saber se ela está legalizada, deve exigir a licença de operação dela. E também tem o documento de entrada de madeira legal, chamado DOF (Documento de Origem Florestal). Com esses documentos, você sabe de onde vem a madeira, qual associação fez a exploração, em qual área, está tudo lá. Também as espécies que eles trabalham. A licença vale por dois anos, como a licença de exploração que os manejadores recebem.

IM: E, para além de seguir a legislação, qual a importância de se consumir a madeira legalizada?

Márcio:  Hoje, a gente sabe que o impacto diante do recurso da madeira é muito alto. E a gente vê isso pela escassez. Então, o recado seria: ter consciência de fato que, ao adquirir um produto ilegal, você está impactando não só a floresta, mas também o planeta. A retirada ilegal de madeira tem impacto tanto no aquecimento, como na seca dos rios e nas enchentes. Então, ao adquirir esse produto, você está contribuindo para que esse impacto aumente.

E quando compra um produto legal você está não só ajudando a floresta, mas ajudando também quem está envolvido nesse trabalho. Ajuda o comunitário da Reserva, que tem um bom retorno pelo preço do produto por ser legalizado, e também pela consciência que ele está adquirindo pro manejo florestal. Se você compra amadeira legal, você está incentivando o comunitário a continuar trabalhando com manejo florestal, a acreditar nessa atividade. Incentivando que o manejo florestal continue e o impacto diminua na floresta. Você está contribuindo para a melhoria da vida de muitas pessoas, ao invés de prejudicar todo o sistema.

IM: Como você se sente realizando esse trabalho hoje, na sua região de nascimento?

Márcio:  Gosto do meu trabalho,  conheço quase toda a área. A gente se sente em casa quando vai pra Reserva. Se sente em casa quando vai pra campo, se sente bem trabalhando na floresta. E quando você vê que está dando certo, se sente melhor ainda. Nasci em Tefé, cresci aqui, vi o Instituto Mamirauá nascer e crescer, em frente a minha casa. Quero mais é que dê certo.

A gente sabe que é difícil trabalhar com todo esse sistema. Parece que, há cada ano que passa, aumenta a burocracia, é preciso certificado digital, nota fiscal eletrônica, imagina colocar isso tudo via internet para um comunitário que nunca teve acesso a um computador. Então, a gente trabalha para que a norma seja voltada para eles. A expectativa é que, futuramente, saia uma polí­tica pública mais completa, voltada para a realidade da Reserva Mamirauá, para os comunitários. O manejo florestal é muito voltado para terra firme, para a parte empresarial. Quando você vai para o manejo comunitário, o sistema é diferente. Então, nosso foco é trabalhar essa motivação todo o tempo com eles, incentivar a continuidade do manejo é um desafio constante pra gente. A expectativa é que o mercado um dia dê certo, na venda de madeira, que tenha um retorno certo para os manejadores. E o mais importante, que a floresta continue produzindo, e que essas áreas permaneçam conservadas. 

Por Amanda Lelis

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