Tecnologia, renda e conservação: Instituto Mamirauá apoia agricultores na produção de polpas de frutas
Publicado em: 30 de maio de 2017
Em uma área em meio à floresta Amazônica, uma casa que guarda riquezas regionais: açaÃ, cupuaçu, araçá, abacaxi e outras frutas. Um grupo de pessoas animadas e motivadas num trabalho minucioso. A combinação pode parecer conto de fadas, mas é realidade em uma comunidade ribeirinha da Amazônia. E acontece na Casa de Polpas de Frutas da comunidade Boa Esperança, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (AM). Na última semana, entre os dias 24 e 27 de maio, um grupo de agricultores esteve envolvido nas oficinas promovidas pelo Instituto Mamirauá. Este perÃodo marcou o início das atividades na Casa de Polpas, que vêm sendo preparadas por um longo tempo.
O último sábado, dia 27, foi de festa na comunidade, ao redor de uma mesa farta com sucos de polpas de frutas produzidas nas oficinas, frutos e pratos regionais, o grupo de agricultores, suas famÃlias e outros membros da comunidade se reuniram para inaugurar o início dos trabalhos na Casa. Com orgulho, os produtores falaram sobre os desafios até chegarem no momento da inauguração e apresentaram amostras das primeiras polpas produzidas durante a semana de trabalho.
"A gente sabe que teve um desafio muito grande, uma luta muito grande, mas eu avalio que foi legal, graças a Deus conseguimos chegar onde nós estamos, com a Casa das Polpas nesse momento de inaugurar. Claro que foram muitos trabalhos, mas nem por isso a gente parou. Quem sonha, um dia realiza, né? E é com luta, é com luta mesmo e com dedicação que a gente chega lá", comentou Antônio Francisco da Silva Reis, um dos agricultores envolvidos no projeto.
Fernanda Viana, que é coordenadora do Programa de Manejo de Agroecossistemas do Instituto Mamirauá, destaca que o projeto, realizado pela instituição, propõe conciliar a conservação da floresta com o uso sustentável dos recursos naturais e a valorização dos modos de vida tradicionais da população local. "O objetivo do projeto, nessa linha de ação, é apoiar mudanças que auxiliem em outras formas de uso da floresta e do solo e, principalmente, práticas que ajudem na conservação da agrobiodiversidade. O manejo, realizado desta forma tradicional, ajuda na manutenção e aumento da diversidade de espécies, na conservação da floresta, além de ser uma outra alternativa de geração de renda para os agricultores", reforçou.
Durante a semana, foram realizadas três oficinas. Uma de manutenção e uso dos equipamentos, que abrangeu o sistema de energia solar fotovoltaico e seus componentes, que garante a geração de energia para os equipamentos na Casa de Polpas, o sistema de abastecimento de água, que oferece água de qualidade para o processamento das frutas, e também os cuidados de manutenção e uso de equipamentos como despolpadeiras de frutas, liquidificadores, balanças, seladora e outros.
Outra oficina realizada pela equipe técnica do Instituto abordou as boas práticas para o beneficiamento de polpas de frutas. Durante as atividades teóricas e práticas, os agricultores aprenderam sobre cuidados desde a triagem e seleção das frutas para o beneficiamento até a embalagem e armazenamento da produção nos freezers, com destaque para cuidados de manipulação dos alimentos, higiene durante o processamento das polpas e o controle da produção.
"Eu acredito que vai ter bastante quantidade e variedade de polpas de frutas. Aqui nós temos o açaÃ, cupuaçu, araçá e outros que não estou lembrando agora. Meu sentimento é que eu estou muito satisfeito e feliz onde nós chegamos. Foi um conhecimento a mais que nós conseguimos assimilar e aprender. Hoje nós conseguimos já ter noções de higiene básicas que a gente precisa ter para trabalhar aqui na Casa. E futuramente nós pensamos que isso possa cada vez mais ampliar, que possa ter mais pessoas envolvidas no grupo e a estrutura possa até ser maior para abranger até famÃlias que não estão hoje", completou Antônio.
Também foi discutido o Regimento Interno da Casa de Polpas, que é o documento produzido pelos agricultores para definir as regras de uso dos equipamentos e orientar a gestão e os trabalhos do grupo. Para estas atividades, participaram técnicos de três programas do Instituto Mamirauá - que atua como uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações -, os programas de Manejo de Agroecossistemas, de Qualidade de Vida e de Gestão Comunitária.
Energia limpa e acesso à água
Por estar localizada em área distante dos centros urbanos e integrada à floresta Amazônica, a comunidade Boa Esperança possui dificuldades de acesso aos serviços públicos de água e energia. Para o desenvolvimento do projeto, um dos desafios era disponibilizar um sistema que pudesse oferecer capacidade energética para o funcionamento das máquinas da Casa de Polpas por 24 horas sem interrupção. E também água de qualidade para o processamento das polpas.
Até o momento, já foram investidos mais de 206 mil reais na Casa de Polpas, para equipar com máquinas, materiais e também para a realização de uma série de capacitações com o grupo de produtores. Esta ação é realizada pelo Instituto Mamirauá, por meio do Projeto Mamirauá: Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade em Unidades de Conservação, que conta com o financiamento do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Para geração de energia, foram instalados 30 módulos solares, e um conjunto de 24 baterias, que garantem uma autonomia de dois dias e meio para o funcionamento dos equipamentos da Casa. "É o maior sistema de energia solar, com este perfil e com essa configuração, no alto e médio rio Solimões. O grande ponto é esse: como a gente trabalha dentro de uma unidade de conservação, a gente tenta levar pra eles uma energia mais limpa possÃvel, que não seja poluente", explicou Josenildo Frazão, técnico em tecnologias sociais no Instituto.
Para que as frutas sejam processadas com água de qualidade, a Casa de Polpas conta com dois sistemas de água, um poço artesiano com bomba movida a energia solar, e um sistema de captação de água da chuva. A comunidade já possuÃa um poço artesiano que, no entanto, estava defasado e não atenderia as necessidades básicas propostas pelo projeto. Foi necessária uma grande reforma no sistema da localidade que garantiu, além do abastecimento da Casa, a distribuição de água para todos os domicÃlios, que antes era limitada a uma pequena porção da comunidade.
"Agora está 100%, melhorou bastante. Felizmente, lá em casa a gente tem água o dia todinho, na torneira e no chuveiro. Antes não. Só água da torneira, uma torneira no banheiro, mas só de noite, não tinha água encanada na pia, não tinha chuveiro, agora que chegou a água, a gente tem chuveiro e facilitou muito", comentou Luzia de Deus Pereira, agricultora que faz parte do grupo da Casa das Polpas.
A comunidade também contou com o apoio da Prefeitura Municipal de Maraã, que participou com uma contrapartida de 30 mil reais para a reforma do espaço que recebeu a Casa das Polpas. Representantes da Secretaria Municipal de Abastecimento e Produção da Prefeitura de Maraã, estiveram presentes no evento de inauguração dos trabalhos na Casa. "Na zona rural de Maraã, a gente ver um produto com essa qualidade e, acima de tudo, sem poluir o ambiente, é muito gratificante. Estamos aà para futuras parcerias com o Mamirauá", disse o secretário Hugo Moraes Cavalcante.
Força jovem
As oficinas contaram com a participação importante de uma jovem da comunidade que, atualmente, é estudante do Centro Vocacional Tecnológico (CVT) do Instituto Mamirauá. Raimunda dos Reis tem 24 anos e iniciou em 2017 as aulas no CVT, espaço de ensino e profissionalização. Desde março, quando se mudou para Tefé (AM) para os estudos na sede do Instituto, essa foi a sua primeira atividade de campo apoiando uma ação da comunidade. Esta ação é realizada pelo Instituto e conta com o financiamento da Fundação Moore.
"Para mim, na minha formação, o CVT é de grande importância. Nessa prática, penso que me envolvi mais no grupo, vi na prática as coisas acontecendo de perto, fiquei sabendo de fatos que aconteceram durante o percurso deste projeto até a inauguração. Acho que posso ajudar bastante eles na parte técnica, de elaboração de relatórios, documentos", contou a jovem.
Raimunda foi elogiada durante as oficinas pelo grupo de produtores. "Ela é um futuro nosso, todos os jovens são o futuro nosso. Ela é um dos fatores principais pra gente aqui nessa casa. Tem projeto pra escrever e a gente tem dificuldade, hoje nós estamos caminhando por causa de vocês. Confiar e entregar essa confiança numa pessoa que está buscando conhecimento é um fator principal pra gente", disse Jesuy Tavares, agricultor da Casa de Polpas.
Texto: Amanda Lelis
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