Jabuti da ciência: espécie é foco de estudo no Amazonas

Publicado em: 22 de junho de 2015

Com a contribuição de moradores de comunidades ribeirinhas do Amazonas, equipe do Instituto Mamirauá desenvolveu uma metodologia eficaz para a captura do jabuti-amarelo, como é nomeado  na Amazônia, também conhecido como jabuti-tinga (Chelonoidis denticulata), uma das únicas espécies terrestres entre os quelônios brasileiros. Esse é um dos resultados apontados pelo projeto de pesquisa desenvolvido pelo Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), nas Reservas Amanã e Mamirauá, no Amazonas.

"Atualmente temos pouco conhecimento científico sobre essa espécie. Muitas pesquisas não conseguiram êxito, principalmente pela dificuldade de captura do animal. Não temos a maior parte das informações necessárias para qualquer tomada de decisão em relação à conservação. O que se sabe sobre jabutis é principalmente de estudos realizados em cativeiros de outras regiões e não regiões amazônicas, informações que podem não ser efetivas para os animais em vida livre daqui", afirma Thaís Morcatty, pesquisadora do Instituto Mamirauá.

A pesquisa possui várias vertentes: o estudo da ecologia e biologia do animal, das questões reprodutivas, da relação de uso e da relação cultural das comunidades locais com a espécie, e de questões da saúde do animal, com a investigação de possíveis zoonoses. Além desses pontos, no estudo também foram testadas e comparadas metodologias de detecção e captura do animal, parte do trabalho que contribuirá para pesquisadores da espécie em outras regiões.

A pesquisadora destaca que a grande exploração desta espécie para consumo e comércio, assim como o hábito de criação como animal de estimação são importantes fatores para sua classificação como vulnerável pela International Union for Conservation of Nature (IUCN), e também para sua presença na lista do acordo internacional Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Selvagens).

O projeto teve início em 2013 e surgiu a partir da demanda pelo estudo da espécie, observada anos antes, por ser muito apreciada para o consumo na Amazônia. Um monitoramento realizado pelo Instituto Mamirauá durante 12 anos em dez comunidades tradicionais das Reservas Mamirauá e Amanã estimou que a espécie está entre as oito mais caçadas da região. O estudo ressalta a importância de se buscar alternativas que aliam a conservação da espécie e a consideração aos hábitos e necessidades dos habitantes locais.   

Entre as informações estudadas na biologia e ecologia do animal estão as áreas de utilização dos jabutis nas reservas, analisando a interferência da época do ano e do fluxo dos rios na utilização dessas áreas pelos animais, principais fontes alimentares, entre outras. No estudo da sua reprodução, busca-se identificar uma estimativa de número de ovos por fêmeas, faixa etária em que atingem maturidade para reprodução, possíveis áreas de nidificação e épocas que ocorre a postura dos ovos, informações ainda desconhecidas para essa espécie em vida livre.

Com as comunidades tradicionais, o trabalho visa entender quais as motivações para a caça, locais onde ocorre, fatores que a influenciam e também a relação cultural dos comunitários com a espécie, que ocupa o imaginário popular com histórias e também com a tradição do uso medicinal, por exemplo.

Rizomar Freitas dos Reis é morador da comunidade Boa Esperança, localizada na Reserva Amanã, desde criança. Acostumado a andar na região, ele participa como assistente de campo e contribui para a pesquisa fornecendo informações importantes sobre o animal e os ambientes em que é comumente encontrado. "O Jabuti é um bicho que você não vê como outros bichos, ele não faz zuada, não corre, não tem nenhum tipo de assovio, se esconde, é difícil de achar. É difícil de ver, mas tem muito por aqui", afirma.

De acordo com a pesquisadora, a dificuldade de encontro com os animais e falhas em tentativas de capturas impossibilitaram a realização de pesquisas com a espécie em muitas regiões. Para o desenvolvimento da pesquisa, são utilizadas duas metodologias: a busca ativa, percorrendo terrenos de baixa e alta altimetria em ambientes de terra firme e várzea. E armadilhas de queda com iscas de peixe nas mesmas áreas. Os dois métodos foram avaliados e comparados quanto aos custos, à efetividade de detecção e à taxa de captura. Também foram comparadas as diferentes áreas nas quais as metodologias foram aplicadas.

A armadilha foi considerada como o método mais vantajoso, por ter proporcionado menor gasto e melhor taxa de capturas, possibilitando a coleta de dados em mais áreas num período menor de amostragem. A iniciativa poderá contribuir para outros pesquisadores da espécie e, por ser um modelo padrão, pode ser aplicada em diferentes regiões do mundo.

Após a captura, por qualquer um dos métodos, os animais são pesados, medidos e marcados.  A marcação permite acompanhar o desenvolvimento do jabuti e o seu deslocamento, no caso de uma recaptura posterior. Para o estudo da saúde do animal, são coletadas amostras de sangue, fezes e escama do casco, além da coleta de ectoparasitas, para análises em laboratório. Ainda não foram estabelecidos parâmetros da análise de sangue que indiquem a saúde dessa espécie, por exemplo, valores de referência para glóbulos brancos ou vermelhos. Com a captura de um número expressivo de animais, pretende-se definir esses parâmetros, que também poderão se caracterizar como uma metodologia padrão para outras pesquisas com a espécie.

A pesquisadora enfatiza que "quanto mais o ambiente possui a presença e o uso do homem, doenças podem se instalar nesses locais. Avaliar a saúde do animal é também uma forma de saber como está a saúde ambiental, de ter esse diagnóstico". As amostras de escamas, por exemplo, podem indicar a contaminação ambiental por metais pesados, comum em regiões com atividades de mineração.

Rizomar, assim como outros comunitários, acredita que os dados levantados pelo trabalho poderão contribuir para a conservação da espécie e o aumento de sua população. "A gente começa a trabalhar e vê o desenvolvimento do trabalho. É um bicho que é bacana, eu trabalho com gosto. A gente, que está envolvido, acha bom ter esse retorno. É importante preservar pra aumentar mais, pra preservar mais o jabuti", disse.

Resultados

Dados parciais da pesquisa serão apresentados no Simpósio sobre Conservação e Manejo Participativo na Amazônia (Simcon), realizado entre os dias um e três de julho na sede do Instituto Mamirauá, em Tefé (AM).  O evento poderá ser acompanhado ao vivo, pelo endereço: www.mamiraua.org.br/web.

O Simpósio tem por objetivo promover a divulgação científica e o debate sobre a conservação da biodiversidade, o manejo de recursos naturais, a gestão de áreas protegidas e os modos de vida das populações locais. É um evento que promove a interação acadêmica interdisciplinar, gerando diálogo entre pesquisadores.

Texto: Amanda Lelis

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