Habitações apontam para melhoria de poder aquisitivo das populações

Publicado em: 11 de novembro de 2016

As mudanças nas habitações da várzea amazônica vêm demonstrando a melhoria de poder aquisitivo de populações que vivem em comunidades ribeirinhas da região das Reservas Mamirauá e Amanã, no Amazonas. Esse é um dos pontos apresentados em um artigo publicado por pesquisadoras do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e da Universidade Federal do Pará – UFPA, na Revista Iluminuras. O artigo evidencia as principais mudanças observadas nos modos de habitar essas áreas nos últimos quinze anos e aponta as dificuldades de compreensão da realidade cultural e ambiental do ambiente de várzea por parte do poder público, ao oferecer projetos de habitação para essa região.

As duas unidades de conservação estão enquadradas na categoria de Reserva de Desenvolvimento Sustentável, na qual as populações tradicionais podem viver e fazer uso sustentável dos recursos naturais da região. Ambas possuem seu território, ou parte dele, em área de várzea, que se caracteriza por longos períodos de alagação e seca, durante o ano, o que interfere na estabilidade do solo. Para habitar esse território, as populações desenvolveram saberes e práticas adequadas para as construções de moradias e estratégias para conviver com a dinâmica ambiental, muito influenciada pelo ciclo dos rios.

Isabel Soares de Sousa, diretora de Manejo e Desenvolvimento no Instituto e uma das autoras do artigo, destacou que os programas de manejo de recursos naturais e o acesso a benefí­cios sociais são os principais motivos da melhoria de renda das famílias. "São as duas principais fontes de renda que eles têm, que levou ao aumento desse poder aquisitivo. Acho que, nos últimos dez anos, foram muitos investimentos em benefí­cios sociais, como bolsa família, bolsa floresta, seguro defeso. Não é errado afirmar que tanto os programas de manejo quanto os investimentos em benefí­cios sociais melhoraram o poder aquisitivo dessa população", disse.

O livro "Sociodemografia da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá", lançado recentemente pelo Instituto, demonstra essa melhoria de poder aquisitivo em números. Apenas na Reserva Mamirauá, onde foi realizado monitoramento socioeconômico. Sete comunidades participaram do monitoramento e, de acordo com a publicação, houve o aumento da renda média anual das famílias em todas as localidades estudadas, com variação de 129% a 289% de 2000 para 2006 e de -17% a 326% de 2006 a 2011 (veja tabela aqui). O livro também apresenta as principais fontes de renda, que são atividades de produção, como agricultura e pesca, benefí­cios sociais, como as bolsas, aposentadoria e seguro defeso, e salários e benefí­cios.   

Moradias tradicionais

As pesquisadoras afirmam que o conjunto de conhecimentos e práticas que tem essa população sobre os modos de habitar a várzea amazônica é resultado de um processo histórico de aprendizagem e experimentação, a partir da interação com o ambiente, que orienta desde a escolha do local para instalar a habitação, até as técnicas e materiais para a construção.  Em função da dinâmica do ambiente, as casas são normalmente construídas de madeira, material mais leve, e em palafitas, como uma forma de prevenção, para que a casa não seja inundada no período de cheia. As casas são tradicionalmente construídas nas áreas mais altas do terreno, paralelas ao curso dos rios e igarapés.

"Acelerou muito, nos últimos cinco anos, essa questão da imprevisibilidade do nível da água. Assim como acelerou a modernização em termos de arquitetura e modos de habitar a várzea, também a imprevisibilidade em relação aos eventos de cheia mudou. Eles (moradores das áreas de várzea) pensavam a altura do assoalho da casa, de acordo com a última grande cheia que eles tinham lembrança. E, de repente, vem uma cheia maior. Perdeu-se a referência", comentou Edna Alencar, pesquisadora associada do Instituto, que também assina o artigo.

A oscilação do nível dos rios entre os dois períodos, de cheia e seca, leva a uma mobilidade dessa população entre a zona rural e a zona urbana. Muitas famílias mantêm uma casa na comunidade ribeirinha e outra na cidade, para onde podem se deslocar em períodos de grande cheia ou por interesse ou necessidade da família, por exemplo, para que os jovens tenham acesso a uma educação formal diferenciada. As moradias flutuantes também são apontadas no estudo como uma maneira adotada com mais frequência nos últimos anos como alternativa para conviver com as oscilações do ambiente.

De acordo com as pesquisadoras, aliada ao modelo tradicional de construção das casas, há uma modernização influenciada pelo convívio com o meio urbano e também pela melhoria do poder aquisitivo das famílias. Essas mudanças podem ser observadas na divisão dos cômodos, uso de varandas e banheiros internos, pintura e pela utilização de materiais como pvc.

Tradicionalmente, as casas da várzea eram construídas com apenas um cômodo principal, que possui diferentes utilizações ao longo do dia, como sala e local de refeição e, durante a noite, é usado como local de dormir onde são estendidas as redes com mosquiteiros. Algumas habitações possuem um espaço anexo, onde fica a cozinha. "Outra característica da casa tradicional era não usar sofá, mesa ou cadeiras. É uma forma muito particular de interagir. As pessoas comem olhando uma para outra, o que tem a ver com essa característica do mundo rural do compartilhamento, da troca, da sociabilidade", comentou Edna.   

A modernização das habitações de várzea também pode ser observada, de acordo com as pesquisadoras, pelo acesso a equipamentos e eletrodomésticos pelas famílias. No livro que traz o estudo sociodemográfico da Reserva Mamirauá, são apresentados os dados coletados em sete comunidades da Reserva. Nessas localidades, no ano de 2006, menos de 40% das famílias possuíam televisão, menos de 10% possuíam freezer, menos de 5% possuíam motor de luz, e menos de 70% tinham fogão a gás. Em 2011, o número de televisões passou a cerca de 70% nas habitações, cerca de 20% tinham freezer em casa, mais de 20% adquiriram motor de luz e mais de 80% tinham fogão em casa, além do acesso a aparelhos celulares, que era de cerca de 30% naquele ano.

Polí­ticas públicas de habitação

Um ponto questionado pelas pesquisadoras no texto do artigo foi a proposta de habitações apresentadas pelo Incra para famílias que residem em Unidades de Conservação no estado do Amazonas. O exemplo avaliado na pesquisa foi o das casas construídas na comunidade Manacabi, na Reserva Amanã. Como destaca o artigo, o projeto apresentado pelo Incra não observou as particularidades culturais e ambientais da região. "A gente sabe que a área de várzea tem suas particularidades e as polí­ticas públicas têm que ser sensíveis a isso", apontou Edna.

As casas foram construídas diretamente ao solo, com uso de tijolos, cimento e telhas de amianto. O tipo de material utilizado foi considerado inadequado para o ambiente que possui solo argiloso (acho que é arenoso) que interfere na estabilidade desse tipo de construção, além de ter sido desconsiderada a inundação no período da cheia. "Falta dialogar com as instituições que atuam na área e, principalmente, com a população que mora nesse ambiente. É uma falta de respeito com o conhecimento das pessoas que estão ali há várias gerações, o conhecimento que elas têm sobre o ambiente e sobre como ele se comporta", comentou Isabel.

Texto: Amanda Lelis

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