Cinquenta espécies de anfíbios e répteis foram descobertas na Amazônia em dois anos

Publicado em: 29 de setembro de 2017

O segundo réptil de um cume de grande altitude, uma cobra com quatro olhos e uma rã alaranjada, que recebeu o nome em homenagem a um conhecido cineasta. Esses são alguns exemplos entre as mais de 50 novas espécies da Floresta Amazônica descritas entre 2014 e 2015, sendo 19 espécies de répteis e 32 de anfíbios. As novas descobertas da ciência na Amazônia entre esses dois anos foram divulgadas no relatório desenvolvido pela iniciativa Amazônia Viva, do World Wide Fund for Nature (WWF), em parceria com o Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Esta é a terceira edição do documento.

O relatório foi produzido por uma equipe de especialistas com base no levantamento das publicações científicas recentes. Para o compilado de répteis, foram revisadas as publicações registradas no Reptile Data Base, banco de dados online com a catalogação de espécies de répteis de todo o mundo, que reúne informações como dados taxonômicos, dados de distribuição e coordenadas geográficas. Após o levantamento, a lista de novas espécies foi comparada com as listas oficiais de espécies existentes em alguns países, além da revisão de revistas científicas. Foram consultados cerca de 100 artigos cientí­ficos.

Para o levantamento das novas espécies de anfíbios na Amazônia, foram revisadas as listas internacionais de diversidade da fauna, como a da International Union for Conservation of Nature (IUCN) e o catálogo online das espécies de anfíbios do mundo, do Museu Americano de História Natural. Também foram consultadas as listas oficiais de anfíbios dos nove países da Amazônia (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela). Os dados foram comparados e validados com informações da Biblioteca da Universidade da Flórida e do Google Acadêmico.

Robinson Botero Arias, pesquisador do Instituto Mamirauá e especialista em herpetologia, participou do desenvolvimento do relatório. De acordo com ele, a publicação do compilado de novas espécies é importante por divulgar informações científicas, de forma simples e acessível ao público em geral, podendo se transformar em uma fonte de informação para subsidiar a formação de opinião e atrair a atenção do poder público. "Esta publicação deverá contribuir no fortalecimento e entendimento, do público em geral, sobre a necessidade de implementar ações de conservação da biodiversidade, principalmente em um bioma tão relevante como o é a Amazônia", afirmou.

O pesquisador destaca que muitas das espécies recentemente descritas já estão sob ameaças em função de ações antrópicas. "O fato de termos novos registros de espécies, não necessariamente pode ser interpretado como um sintoma de ‘boa saúde ambiental’ do bioma. Muitas das espécies registradas são resultado de pesquisas que avaliaram o impacto ambiental de obras de infraestrutura, que de uma forma ou outra estão alterando as espécies e seus habitats naturais", contou. Robin também destaca que algumas espécies que compõem o relatório, após serem registradas, já entram nas listas de espécies ameaçadas, seja pela perda ou destruição de habitat ou pela diminuição drástica das populações naturais. De acordo com o pesquisador, a maior parte dos anfíbios descritos nesses dois últimos anos é considera espécie endêmica, com área de distribuição restrita.

A larga extensão da Floresta Amazônica e a diversidade de ecossistemas que abarca são citados por Robin como um grande potencial para as descobertas científicas. "A fazem uma fonte de questionamentos a serem respondidos, não só em relação às espécies, mas também a processos ecológicos, biológicos e evolutivos que podem estar acontecendo associados a esse grande bioma", disse.

Pesquisador e especialista em anfíbios da Vrije Universiteit Brussel, Phillipe Kok, participou como primeiro autor de algumas espécies descritas no relatório.  Ao longo de sua carreira, o cientista tem voltado seus estudos para os tepuís, que são tipos de formações montanhosas, de topo plano e grandes altitudes. Essas formações, geralmente são de difícil acesso e possuem uma grande biodiversidade ainda pouco conhecida, de acordo com os pesquisadores.

"Qualquer nova descrição da espécie é importante, porque só podemos construir estratégias de conservação quando sabemos o que conservar. No caso de espécies dos cumes Tepui, é ainda mais importante. Esses organismos podem estar seriamente ameaçados pelo aquecimento global, e há uma necessidade urgente de avaliar com precisão o status taxonômico e distribuições dessas espécies", contou Phillipe.

O pesquisador ressalta que a maioria das espécies de tepuis, descritas por ele, são extremamente difíceis de serem encontradas, o que explicaria o pouco conhecimento de espécies de cumes tepuí. Ele ressalta que o financiamento das pesquisas tem sido o maior desafio para a realização dos estudos. "O principal problema é que, embora a área seja extremamente interessante, o trabalho de campo é muito caro (necessita do uso de helicóptero), as áreas são geralmente inacessíveis e as espécies que vivem lá são totalmente desconhecidas pelo público. Por isso, o financiamento é direcionado, na maioria das vezes, às espécies mais carismáticas que todos conhecem, como Mantella em Madgascar, por exemplo. É quase como trabalhar com a herpetofauna da lua, ninguém realmente se importa", afirmou.

Uma das espécies descritas por Phillipe é a perereca Pristimantis jamescameroni. Além de ser endêmica dos Tepuis, esse pequeno animal é endêmico do estado de Bolívar, na Venezuela e ocorre apenas a cerca de 2.500 metros de altitude. O curioso é que o nome científico da espécie foi em homenagem ao diretor de cinema canadense James Cameron. O cineasta é conhecido por alertar sobre problemas ambientais em seus filmes e documentários de aventura, e também como um ambientalista e "explorador do oceano".

Outra espécie é o réptil Riolama inopinata, que também é endêmico de um remoto cume Tepui da Venezuela. Nesse local, até 2015, apenas uma espécie de réptil era conhecida pela ciência. Pela imprevista descoberta, foi escolhido o nome "inopinata", que deriva do latim e significa "inesperado".

Robin reitera a opinião de Phillipe e reforça a importância da divulgação das novas espécies para o público em geral, como forma de despertar a atenção da população também para espécies pouco conhecidas.  "O desafio atual para os pesquisadores é gerar informações que possam dar subsídio às estratégias de conservação, transformar estas informações em conhecimento para o público leigo, de forma tal que possam dar suportes claros para a formação de opinião. E que estas informações estejam de acordo com as propostas globais de proteção e conservação da biodiversidade", concluiu.

Vida de pesquisador

Phillipe Kok diz que, desde a infância, sonha em participar de expedições científicas para áreas remotas e em ser um pesquisador envolvido na descoberta de novas espécies. Ele conta que, quando criança, livros como "O mundo perdido" de Arthur Conan Doyle, serviram de inspiração para a escolha de sua carreira.  "Estas leituras tiveram um forte impacto na minha vida e, provavelmente, fizeram com que eu me tornasse biólogo. Explorar os cumes Tepui era um sonho, que se tornou realidade em 2007, quando eu escalei o meu primeiro Tepui na Guiana", disse o pesquisador. Desde então, Phillipe visitou mais de 15 Tepuis para suas pesquisas sobre a evolução dos vertebrados, e mais especificamente anfíbios e répteis.

"Espero que a minha contribuição para o melhor conhecimento da ‘herpetofauna tepui’ seja útil para estratégias de conservação e que os tomadores de decisão percebam o quanto são importantes essas áreas. A consciência de conservação é criticamente importante para essas áreas, notavelmente devido à inacessibilidade dos ecossistemas tepui. Meu sonho é conseguir financiamento suficiente para prosseguir com o meu trabalho na região e responder muitas dúvidas evolutivas que tenho em minha mente", completou o pesquisador.

O relatório

Esses resultados fazem parte do Relatório de Novas Espécies de Vertebrados e Plantas na Amazônia entre 2014 e 2015. A publicação, desenvolvida pelo WWF e pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Ao todo, foram 381 novas espécies descritas no período na Amazônia, sendo 216 plantas, 93 peixes, 32 anfíbios, 19 répteis, 01 ave e 20 mamíferos.

Leia o relatório "Atualização e Composição da lista Novas espécies de Vertebrados e Plantas na Amazônia (2014-2015)" aqui.

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