A arte de partejar

Publicado em:  8 de maio de 2015

Trazer ao mundo um ser humano é algo forte. E pelas mãos de parteiras experientes milhares de mães já experimentaram essa emoção. As parteiras são peças chaves para as discussões sobre a humanização do parto, sobre o respeito às gestantes e aos recém-nascidos. Elas não são somente uma resposta para áreas carentes de atendimento médico. Mais do que isso, elas representam outro jeito de compreender o nascimento.

E quem melhor do que uma parteira para falar sobre a arte de partejar? Acompanhe abaixo entrevista com dona Irene Leandro de Oliveira, da comunidade São Francisco do Bauana, no município de Alvarães (AM). Ela acabou de completar 61 anos e conversou com o site do Instituto Mamirauá durante o 11º Encontro de Parteiras Tradicionais do Médio Solimões, que ocorreu em Tefé de 2 a 5 de maio de 2015.

IM: Dona Irene, a senhora pode explicar o que é ser parteira?

I: Bem, no meu ver, eu sou parteira com o dom de Deus. Acho que eu puxei o dom da minha avó, que ela também era parteira. Teve uma vez que a mulher teve o bebê na chuva, embaixo de uma canoa. Minha avó me chamou para ir com ela lá. Aí eu pensei, ‘Ah, mas agora eu já sei, quando nascer um bebê eu já sei’. O primeiro parto que eu fiz eu tinha a idade de 12 anos. A minha cunhada estava aperreada em casa, mandou me chamar para ver a barriga dela, que estava doendo. Aí a criança já vinha nascendo e eu tive que pegar. Não tinha mais por quem chamar. Desde aí eu venho ajudando as parturientes que precisam.

IM: Quantos partos a senhora já fez?

I:Já estou com 161 partos que eu fiz, e eu gosto do meu trabalho. De tudo eu faço,  mas o parto é um amor para mim. Tem gente que acha que a parteira não é nada na comunidade, mas ela é uma peça principal da comunidade. Eu sempre digo, quem tem uma parteira na sua comunidade está rico, porque tem muito que não tem.

IM: A senhora costuma fazer cursos, participando de encontros?

I: Participo de todos os cursos que tem para as parteiras. Eu participo do movimento das mulheres também. Em cada canto desse eu vou aprendendo um pouquinho e digo também um pouco.

 IM: A senhora poderia contar o que acontece antes de um parto?

I: Tem mãe que me procura logo que sai grávida. Então aí eu vou indicar para fazer o pré-natal. Agora na minha área já não têm mulheres teimosas mais não. Hoje elas já escutam e fazem esses acompanhamentos. Porque eu não vou saber como está o bebê dentro. Tem alguns partos que vão ser cesáreas, mas com tudo que a gente tem a gente já sabe quando é parto cesáreo.

IM: E durante o parto?

I: Filho, dizia minha avó, nasce só na hora que Deus dá. Por isso que eu não forço a mulher. Ela que vai procurar a posição para ela ganhar o bebê. Se ela quiser deitar, se ela quiser sentada, se ela quiser na rede... Aonde ela quiser. Pelo menos ela fica mais folgada. O parto também deve ser muito higiênico. A gente tem que preparar a mulher e o ambiente aonde ela vai ganhar o bebê dela. Quando ela manda me chamar, eu vou logo que é para já ajeitar. Porque quando me avisa antes, eu fico atenta. Se tem parto para esse mês, eu não saio da minha casa, tiro aquele mês todinho lá. Esperando a qualquer hora e momento.

IM: O que a senhora faz depois do parto?

I: Eu ajeito o bebê primeiro, depois eu vou ajeitar a mãe. Eu acompanho três dias. Tem mulher que tem filho pequeno, o marido sai para trabalho. Eu vou lá, às vezes eu lavo uma roupa dela, ajeito a casa. Depois desses três dias eu já entrego para ela. Porque eu tenho muito paciência, muito cuidado com elas. Onde elas me enxergam, elas vão falar comigo, me abraçam, e mandam os meninos tomarem benção.

IM: A senhora já teve filhos? Quem fez seus partos?

I: Eu tive cinco filhos. Uma parteira minha foi a comadre Evelinda, lá do Abial [bairro da cidade de Tefé, Amazonas], uma índia velha. A outra foi a Antônia Brito. Já dos meninos, um foi um senhor, que chama Raimundo Macumbeiro. Ele que fez meu parto porque era um parto muito perigoso, porque meus filhos eram muito grandes. O parto com ele foi o mesmo que fosse com uma mulher. Maior cautela.

IM: A senhora pensa em parar?

I: Nunca, só quando eu morrer. Ou se não me procurarem mais, porque eu não posso me oferecer se a pessoa não quer, né? Quando eu não puder mais pegar nada, eu ainda quero estar lá, pelo menos incentivando alguma parteira que quiser continuar. Porque esse foi o dom que Deus me deu.

Por Vanessa Eyng 

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