Durante a pandemia de coronavÃrus cresce o consumo de mel e outros produtos de abelhas nativas no Amazonas
Publicado em: 18 de agosto de 2020
Aumento na demanda pode estar relacionada ao uso medicinal; cadeia produtiva tem potencial de se tornar mais um componente de inovação na Bioeconomia
No passado, os povos tradicionais da Amazônia utilizavam produtos originados da fauna e da flora regional para fins medicinais e nutricionais. Mas inúmeras populações da região ainda valorizam ou trabalham para resgatar esses produtos, mesmo em meio à pandemia.
Nos últimos meses, cresceu o interesse por produtos como mel, pólen e própolis de abelhas nativas sem ferrão no Médio Solimões e em outras regiões do Amazonas. Foi o que mostrou um mapeamento realizado este mês pelo Programa de Manejo de Agroecossistemas (PMA) do Instituto Mamirauá. A alta procura tem ocorrido graças às ricas propriedades medicinais e nutricionais que esses produtos potencialmente apresentam. Hoje em dia, na Amazônia Central, o mel das abelhas nativas sem ferrão tem sido muito utilizado nos preparos tradicionais de chás e xaropes caseiros.
"O crescente interesse pelos produtos das abelhas nativas possibilita a identificação de novos polos consumidores na região e sinaliza uma visão empreendedora dos produtores. Estimulados pela alta aceitação do mercado consumidor, que tem se refletido em retornos socioeconômicos para as comunidades locais, acreditamos que os produtos derivados dessas abelhas têm potencial para se consolidarem como mais uma alternativa de uso sustentável e geração de renda na Amazônia", afirma Jacson Rodrigues, técnico do Programa de Manejo de Agroecossistemas do Instituto Mamirauá.
A pandemia trouxe oportunidades para algumas comunidades da Amazônia
O cenário de crescente interesse e a visibilidade regional que os produtos das Abelhas Nativas Sem Ferrão vem ganhando mostraram a necessidade de valorização dessa cadeia produtiva que ainda se estrutura de maneira gradual.
Mesmo impedidos de acessar as reservas por causa da pandemia, a equipe do PMA trabalhou remotamente
para registrar e compreender de forma mais detalhada a importância, as
potencialidades e fragilidades da cadeia produtiva, e decidiu elaborar
um mapeamento por meio de sua interlocução com os diversos atores
envolvidos diretamente e indiretamente com a atividade no Amazonas.
O
técnico do Instituto Mamirauá destaca que, a partir de uma percepção
sobre o aumento da demanda, estabeleceu contato com criadores, agentes
multiplicadores, técnicos e consumidores, considerados elos importantes
da cadeia produtiva, tanto na região do Médio Solimões quanto em outras
regiões do Estado. "Todos reportaram a altÃssima procura dos moradores
das cidades e das próprias comunidades em adquirir os produtos",
ressalta Jacson.
"Fui
bastante procurado por moradores de outras comunidades que compravam o
mel para beber e fazer remédios caseiros. Vendi toda a minha produção",
afirma Jesuy Tavares, da Comunidade Boa Esperança, Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã, no município de Maraã.
Agente
multiplicador de Abelhas Nativas Sem Ferrão, Igu Xavier, da Comunidade
São Sebastião, situada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá, no município de Uarini, assegura "todos nós, criadores aqui da
comunidade, vendemos produtos das abelhas para as pessoas que vêm lá da
cidade de Uarini comprar e também para as pessoas das comunidades
vizinhas, para alimentação e preparação de xaropes caseiros".
Para
Francisco Falcão, morador da Comunidade de Bom Jesus, na Floresta
Nacional de Tefé, no município de Alvarães, a procura pelos produtos foi
alta durante o perÃodo da pandemia da covid-19. "Eu e outros colegas
produtores aqui da Floresta Nacional tivemos altÃssima procura por mel,
pólen e preparo do xarope vinda das cidades de Alvarães e Tefé. Até o
momento, já comercializamos 41 quilos de mel", garante o produtor.
Outro
Agente multiplicador que informou aos técnicos do Instituto Mamirauá um
Ãndice alto de procura pelos produtos das abelhas foi Genilton Baniwa,
da Comunidade de Tunuà Cachoeira, na Terra IndÃgena do Alto Rio Negro,
no município de São Gabriel da Cachoeira. "Tivemos a procura de diversas
pessoas que vinham trabalhar, como, por exemplo, as equipes da saúde e
do exército. Elas faziam questão de comprar mel para levar para cidade e
porque também outras pessoas encomendavam delas para fazer remédios
caseiros contra o coronavÃrus, e também tivemos procura de pessoas das
comunidades vizinhas", informou o agente.
A cadeia produtiva das Abelhas Nativas Sem Ferrão
A
promoção do manejo de abelhas nativas sem ferrão, conhecido
tecnicamente como Meliponicultura, visa a diversificação produtiva, a
segurança alimentar e a conservação de abelhas nativas e seus serviços
ecossistêmicos, especialmente a polinização, que também fortalece a
produtividade nas áreas de plantio.
O
PMA realiza capacitações e assessoria técnica voltadas para a formação
de multiplicadores, melhoria das práticas de manejo e incentivo à
multiplicação das colmeias. A assessoria técnica é oferecida às famÃlias
de criadores em todas as etapas do manejo, que vão desde a construção
de caixas padronizadas, processo de captura da colmeia e transferência
para a caixa, até a multiplicação de colmeias e a extração de mel. Além
disso, os criadores são orientados com informações sobre o relevante
papel que desempenham as abelhas na polinização e para a produção de
frutos.
O emprego das teorias e práticas de manejo e o uso, na criação, da tecnologia das caixas-colmeias por produtores e produtoras do seguimento da agricultura familiar facilitam também a apropriação dos processos de boas práticas de coleta, armazenamento e envase dos produtos até que cheguem à etapa de comercialização. Esta é gerenciada de forma individual ou coletiva - por grupos organizados pelas famÃlias produtoras, onde todos têm autonomia para desenvolver e articular as vendas nas cidades da região, a partir das relações estabelecidas com os mercados consumidores.
"Além de oferecer produtos diferenciados, essa cadeia se destaca por ser uma tecnologia social que tem possibilitado aos atores envolvidos apropriar-se e avançar de uma percepção extrativista para uma visão técnica do uso do recurso natural, sempre com a perspectiva da sustentabilidade em seus diversos aspectos", enfatiza Jacson Rodrigues, do Instituto Mamirauá.
O papel do Instituto Mamirauá
O
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá é uma organização
social do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que há 11
anos desenvolve e apoia o manejo e criação de abelhas nativas sem
ferrão, exercendo um papel de catalisador do manejo sustentável dentro
dos territórios de Unidade de Conservação na Amazônia.
A
iniciativa vem se fortalecendo por meio de eventos, cursos, oficinas,
intercâmbios e assessoria técnica, em todas as etapas do processo, além
de estar inserida em espaços de debate sobre os avanços e estratégias
para a cadeia produtiva da meliponicultura em âmbito regional.
A
perspectiva para o futuro é que se popularize o consumo desses
produtos. A cadeia tem potencial de ser mais um componente na nova
demanda relacionada à Bioeconomia, a partir da imensa biodiversidade
presente na Amazônia, desde que se mantenham as políticas e programas de
apoio às cadeias produtivas, em consonância com as pesquisas e inovação
tecnológica contÃnuas.
Leia mais sobre o Manejo de Abelhas Nativas sem ferrão na Amazônia Central.
Texto: Augusto Gomes
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